domingo, 27 de maio de 2007

Somos (des)iguais

O primeiro que traçando uma vedação à volta de um terreno se decidiu a dizer isto é meu e deparou com gente suficientemente simples para lhe dar ouvidos, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores teria poupado ao género humano quem, arrancando as estacas ou tapando a vala da cerca, tivesse então gritado aos seus semelhantes: não deis ouvidos a este impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a Terra não é de ninguém!

ROUSSEAU, Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

A incompatibilidade entre direitos humanos e governos totalitários

O objectivo último de todos os governos totalitários não consiste apenas na ambição ostensiva de confiscarem a longo prazo um poder global, mas também na tentativa nunca confessada e contudo realizada no campo de dominarem completamente o homem. Os campos de concentração são os laboratórios de uma experiência de dominação total e, sendo a natureza humana o que é, semelhante objectivo só pode ser atingido nas circunstâncias extremas de um inferno de fabrico humano. A dominação completa consuma-se quando a pessoa humana, que é sempre uma mistura particular de espontaneidade e de condicionamento, é transformada num ser inteiramente condicionado cujas reacções se podem calcular, ainda quando esteja a ser conduzido a uma morte certa. Esta desintegração da personalidade efectua-se em várias etapas: a primeira situa-se no momento da prisão arbitrária com a destruição da pessoa jurídica e isso, não devido à injustiça constituída pela detenção, mas porque a detenção não tem qualquer relação que seja com as acções ou as opiniões da pessoa detida. A segunda etapa da destruição diz respeito à pessoa moral e opera-se por meio da separação entre a pessoa e o resto do mundo, uma separação que torna o martírio desprovido de sentido, vazio e ridículo. A última etapa é a destruição da própria individualidade e efectua-se por meio da permanência e da institucionalização da tortura. O resultado final é a redução dos seres humanos ao denominador comum mais baixo possível das "reacções idênticas".

Hannah Arendt, Compreensão e Política e Outros Ensaios, Relógio d`água, pp.156-157


Direitos Humanos

terça-feira, 22 de maio de 2007

Direitos Humanos e Globalização

A expressão "direitos do Homem" diz respeito à humanidade no seu todo. Utilizam-se também, entre outras, expressões como "direitos humanos", "direitos da pessoa", "direitos da pessoa humana", "direitos do ser humano"...
A declaração Universal dos Direitos do Homem data de 10 de Dezembro de 1948, tem por base a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada em 1789 pela Assembleia Constituinte Francesa.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Ciência: Milagre? Mistério? Autoridade?

Actualmente, para a grande massa da humanidade, a ciência e a tecnologia encarnam "o milagre, o mistério e a autoridade". A ciência promete que as mais antigas fantasias humanas serão finalmente realizadas. Será posto fim à doença e ao envelhecimento; deixarão de existir a escassez e a pobreza; a espécie tornar-se-á imortal. Como o cristianismo em épocas passadas, o culto moderno da ciência assenta na esperança do milagre. Mas acreditar que a ciência pode transformar a sorte humana significa acreditar na magia. O tempo riposta às ilusões do humanismo com a própria realidade: a humanidade é frágil, desconjuntada, não-livre. Até mesmo quando permite que a pobreza diminua e que a doença seja aliviada, a ciência continua a ser usada para aperfeiçoar a tirania e requintar a arte da guerra.


John Gray, Sobre Humanos e outros Animais, Lua de papel, p.111

sexta-feira, 11 de maio de 2007

O que/como é a realidade. Formas de apreensão...


No caminho para casa dele tinha passado por uma florista e comprado uma rosa vermelha para a minha lapela. Tirei-a e ofereci-lha. Ele olhou-a como se fosse um botânico ou um morfologista a estudar um espécimen, não como alguém a quem se dá uma flor.
"Tem cerca de seis polegadas de comprimento", comentou, "é uma forma vermelha e curva com um apêndice verde linear."
"Sim", disse-lhe eu encorajando-o, "e o que poderá ser?" "Não é fácil", parecia perplexo, "falta-lhe a simetria simples dos sólidos embora possa ter uma simetria própria mais complicada... penso que talvez seja uma planta ou uma flor." "Talvez seja?" "Talvez", confirmou. "Cheire-a", sugeri. Mais uma vez ele pareceu confuso, como se eu lhe tivesse pedido para cheirar uma simetria complexa, mas acedeu e cortesmente levou-a ao nariz. De repente pareceu reviver.
"Linda!", exclamou, "uma das primeiras rosas do ano. Que perfume divino!" E começou a trautear "Die Rose, die Lillie..." Parecia que a realidade podia ser apreendida não através da visão mas através do cheiro.

SACKS, Oliver, O homem que confundiu a mulher com um chapéu, Relógio d`água, pp. 29-30

terça-feira, 8 de maio de 2007

Tecnologia e globalização



A tecnologia altera tudo - era esse o argumento de Marx e, sendo uma meia verdade perigosa, é, ainda assim, reveladora. Quando a tecnologia anulou a distância, deu-se a globalização económica. Nos supermercados de Londres, os legumes transportados por via aérea a partir do Quénia vendem-se ao lado dos da região vizinha de Kent. Os aviões trazem imigrantes ilegais em busca de melhores condições de vida num país que admiram há muito. Caídos nas mãos erradas, os mesmos aviões transformam-se em armas mortíferas que fazem ruir edifícios. A comunidade digital instantânea alarga a natureza do comércio internacional de bens reais a serviços especializados. No final das transacções de um dia, um banco de Nova Iorque pode ver as suas contas feitas por empregados que vivem na Índia.

Peter Singer , Um Mundo(A ética da globalização), Gradiva, p.37

quarta-feira, 2 de maio de 2007

O "mundo real" da linguagem

Os seres humanos não vivem unicamente no mundo objectivo nem no mundo das actividades sociais tal como o representam habitualmente, mas eles são em grande parte condicionados pela língua particular que se tornou o meio de expressão da sua sociedade. É, de facto, erróneo crer que nos adaptamos à realidade praticamente sem o intermédio de uma língua, e que esta não é senão um meio acessório para resolver problemas específicos de comunicação ou de reflexão. A verdade é que o "mundo real" é, numa larga medida, edificado inconscientemente sobre os hábitos de linguagem do grupo. (...) Numa boa parte, a maneira como acolhemos o testemunho dos nossos sentidos (vista, ouvido, etc.) é determinada pelos hábitos linguísticos do nosso meio, o qual nos predispõe para um certo tipo de interpretação.

E. Sapir, apud B. L. Whorf, Linguistique et Anthropologie

O que é a realidade?

Mas dá-se o caso de que a realidade, tal como uma paisagem, tem infinitas perspectivas, todas elas igualmente verídicas e autênticas. A única perspectiva falsa é aquela que pretende ser única. Dito de outro modo: o falso é a utopia, a verdade não localizada, vista de nenhum lugar.
Ortega Y Gasset, El tema de nuestro tiempo

O homem vive no mundo. Ele aí nasce. E aí morre. Na nossa experiência total, que lugar ocupa o mundo?
Ele é o meio material, distinto do nosso corpo, cujas dimensões e fronteiras são incrivelmente relativas. Para um feto, o mundo é o seio da mãe; para um primitivo é a floresta ou a estepe, ou o mar e as suas margens... e sempre a alucinante abóbada do céu. Para uma criança muito jovem é a sua casa; para qualquer um de nós, hoje, é a nossa pequena e depois a nossa grande pátria, e depois o nosso continente e os outros, e finalmente o cosmos inexplorado.
O mundo das nossas primeiras experiências aumenta nas nossas perspectivas graças às nossas informações, as nossas viagens, os nossos conhecimentos e os nossos próprios sonhos.
Que é, para nós, esse mundo? O espaço onde se desenrola a nossa existência.
S.Nicolas, Pour Comprendre la Philosophie